domingo, 5 de fevereiro de 2017

MAR DA VIDA

Espartanas as gotas de orvalho acariciavam-lhe o rosto,
antecipando um solarengo dia de outono.
Contudo, a sua alma estava negra,
como negro estava o futuro,
como negra a mão que lhe oprimia as palavras.

Palavras dolorosas e doentes,
que lhe dançavam enfurecidas nos horizontes da memoria
e na fonte dos sonhos.

Sentiu-se insegura,
quase patética,
numa fragilidade infantil
em que não se reconhecia.

Como pérolas
recolheu as gotas de orvalho,
uma a uma,
quase a medo
e ante aquela pureza vestal
vislumbrou  a alquimia da vida.

Juntou o sal dos olhos
ao sussurro da alma aflita,
mais o grito de quem está a parir um pequeno deus
ao qual juntou um outro grito de esperança.

Ténue esperança,
mas ainda assim,
esperança.

Juntou ao olhar e aos sentidos a paleta de cores do universo
e junto ao lago,
agora feito mar,
largou o negro,
como quem larga uma capa surrada,
gasta pelo tempo e pela dor.

Depois,
envergando apenas a subtil beleza da nudez acabada de parir
encontrou a razão.
A razão de ser,
a razão de estar ali,
a razão de ser quem era.

E porque a razão tinha razão,
deu a si mesma a oportunidade de renascer.

Mergulhou naquele mar
salgado como a vida,
doce como um beijo,
revolto como a paixão,
misterioso como o milagre do ritmo sereno das marés
e navegou,
usando a rota do sonho
plantada no interior de si.




©Graça Costa
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