Espartanas as gotas de orvalho acariciavam-lhe o rosto,
antecipando um solarengo dia de outono.
Contudo, a sua alma estava negra,
como negro estava o futuro,
como negra a mão que lhe oprimia as palavras.
Palavras dolorosas e doentes,
que lhe dançavam enfurecidas nos horizontes da memoria
e na fonte dos sonhos.
Sentiu-se insegura,
quase patética,
numa fragilidade infantil
em que não se reconhecia.
Como pérolas
recolheu as gotas de orvalho,
uma a uma,
quase a medo
e ante aquela pureza vestal
vislumbrou a alquimia da vida.
Juntou o sal dos olhos
ao sussurro da alma aflita,
mais o grito de quem está a parir um pequeno deus
ao qual juntou um outro grito de esperança.
Ténue esperança,
mas ainda assim,
esperança.
esperança.
Juntou ao olhar e aos sentidos a paleta de cores do universo
e junto ao lago,
agora feito mar,
largou o negro,
como quem larga uma capa surrada,
gasta pelo tempo e pela dor.
gasta pelo tempo e pela dor.
Depois,
envergando apenas a subtil beleza da nudez acabada de parir
encontrou a razão.
A razão de ser,
a razão de estar ali,
a razão de ser quem era.
E porque a razão tinha razão,
deu a si mesma a oportunidade de renascer.
Mergulhou naquele mar
salgado como a vida,
doce como um beijo,
revolto como a paixão,
misterioso como o milagre do ritmo sereno das marés
e navegou,
usando a rota do sonho
plantada no interior de si.
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