quarta-feira, 9 de maio de 2018

RECEITA PARA UMA VIDA ROUBADA


Um dia roubaram-me a vida e eu não percebi.
 Entrei no hipnótico caminho da dor
 com a leveza de uma bailarina em pontas,
 sem ver que, com o passar dos dias,
 os pés, tal como a vida começavam a sangrar.

Depois, parei e pensei :
 um dia esta dor ainda me vai ser útil
 e deixei-a engrossar, como torrente de lava encosta abaixo.

No desamparo do silêncio das noites em branco,
 alimentei a ira e o desencanto;
 derramei as lágrimas caladas durante os dias que corriam velozes,
 como velozes nasciam as marcas no rosto e os fios de prata no cabelo.

Depois, um dia cresci.
 Libertei a ira e resgatei do fundo de mim o efémero sentir dos humanos.
 Despertei do torpor de uma alma esfiampada
 e lenta mas persistentemente
 lancei-me na reconstrução de mim.

 Hoje, sou barro moldado por mãos hábeis, serenas e ternas.
 Na plasticidade dos dias,
 cresço e renasço com cada janela de esperança que abro.
 Junto-lhes alguma estravagância guardada no ventre da saudade,
 adiciono uma pitada de desejo,
 e deles retiro
 o meu pão,
 o meu mel,
 o sal com que tempero o tempo que resta.

©Graça Costa
imagem da web


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